Por Demetrio Magnoli*
Os sinais de uma nova “crise asiática” estão no ar.
Os registros do desastre aparecem nas estatísticas de exportação dos Novos
Países Industrializados (NPIs), em queda livre, e até mesmo da China, que parecia
imune aos solavancos da economia mundial. A bolsa de Taiwan despencou para o
valor mais baixo em oito anos, refletindo os indícios de uma severa recessão.
Cingapura já se encontra em recessão. A produção industrial na Malásia
retrocedeu 3,7%, em bases anualizadas, o que é uma antecipação de depressão
econômica.
Não existe polêmica sobre as fontes da nova
tormenta. As economias dos NPIs estruturam-se em torno da microeletrônica de
exportação e, em particular, da fabricação de semicondutores. O setor de
tecnologia da informação (TI) representa mais de metade das exportações de
Cingapura e quase o mesmo para Taiwan. A queda brutal dos investimentos
americanos em TI sabota as vendas das economias de “plataforma de exportação”
erguidas nas últimas décadas na Ásia oriental. Uma matéria de Tom Holland, na Far
Eastern Economic Review, de Hong Kong, assinala que, entre janeiro de 2000
e julho de 2001, o preço dos chips Dram de 64 megabytes retrocedeu 90%,
partindo das alturas de US$ 8,93 e aterrisando catastroficamente em US$ 0,92.
Tudo indica que o choque principal acontecerá nesse segundo semestre.
Uma bela matéria de Gilson Schwartz, que apareceu
na seção de Economia e Comércio Internacional da edição de 1 de junho de Pangea
(“Redes flexíveis na Ásia: eu não sei o que está acontecendo!”) discutiu as
dificuldades que cercam a hipótese de “reconversão para dentro” das redes
flexíveis asiáticas. De fato, não é trivial imaginar que as “plataformas de
exportação” erguidas como anexos transoceânicos da economia americana possam
integrar-se em bases regionais.
Na verdade, eu também não sei o que está
acontecendo. Contudo, talvez mais correto seja pensar, de modo muito mais
pessimista, que a crise que se anuncia não será uma reprodução do espetacular e
efêmero tombo de 1997-98 mas o encerramento de um ciclo histórico.
Cemitérios de computadores
Segundo Joseph Schumpeter, a economia industrial
evolui por meio da “destruição criadora”. Quando um conjunto de novas
tecnologias encontra aplicação produtiva, as tecnologias tradicionais são
“destruídas”, isto é, deixam de criar produtos capazes de competir no mercado e
acabam sendo abandonadas.
Na fase descendente da onda de inovação, os
mercados estão saturados. A economia registra superprodução. Inúmeras empresas
revelam-se incapazes de sustentar a concorrência, cada vez mais feroz, e são
incorporadas por conglomerados mais poderosos. Essa é a época de ouro da
centralização de capitais. Quando, finalmente, uma nova onda se inicia, surgem
mercadorias revolucionárias. Sob o impacto da “destruição criadora”, a
superprodução é eliminada pois os consumidores dirigem-se, ansiosamente, para
os novos produtos disponíveis. Assim, o ciclo recomeça, em novas bases
tecnológicas.
O ritmo acelerado da substituição tecnológica
caracterizou todas as ondas de inovação. Tecnologias recentes são rapidamente
superadas e tornam-se obsoletas. Os produtos que as incorporam exibem ciclo de
vida curto, o que impulsiona o consumo e amplia as margens de lucro das
empresas. Logo, acumulam-se “ruínas tecnológicas”, sob a forma de mercadorias
que, poucos anos antes, foram consideradas exemplares da mais refinada técnica.
Essa característica marcou a “era da informação” de
modo muito mais profundo que as ondas de inovação do passado. No final da
década de 1960, Gordon Moore, da então desconhecida Intel, enunciou a “lei”
segundo a qual a performance dos microprocessadores dobraria a cada 18 meses. O
acerto dessa profecia explica a liderança alcançada pela indústria da
informação na revolução tecnocientífica. Os microprocessadores, cada vez mais
poderosos, estão atualmente incorporados a quase todos os produtos. Eles
tornaram-se parte do fluxo vital das sociedades, como ocorreu há um século com
a energia elétrica. Cada novo salto de performance desatualiza milhares de
produtos, deixando um rastro de “ruínas tecnológicas”.
O ciclo de vida curto do produto no setor de TI fez
a fortuna das economias dos NPIs, durante duas décadas. Mas as “plataformas de
exportação” asiáticas, na condição de sombras periféricas das economias
centrais, especializaram-se ao extremo na produção de hardware para
computadores pessoais. Atualmente, há fortes indícios de que todo esse subsetor
da TI está sendo ultrapassado. Segundo Michael Grant, chefe de tecnologia
global da Schroder Investment Management International, citado pela Far
Eastern Economic Review, os novos investimentos em TI não darão prioridade
àquilo que fez a fortuna asiática: “O PC é tecnologia velha. Não é aí que vamos
concentrar nossas energias de investimento”. No portfólio global de quase 180
bilhões de dólares de investimentos em TI da Schroder, está prevista alocação
de quase 63% nos Estados Unidos e pouco mais de 10% na Ásia.
Que tal ampliar o conceito de “ruína tecnológica”,
aplicando-o não ao produto, mas ao conjunto de uma economia, com as suas
organizações, infra-estruturas e regras. Se a Schroder for uma amostra
representativa das tendências gerais, a crise asiática de 1997-98 será vista,
no futuro, como apenas o apito prévio que sinalizou o fim do ciclo dos NPIs. Nesse
caso, as “plataformas de exportação” erguidas na Ásia oriental seriam
transformadas numa vasta “ruína tecnológica”: um cemitério de computadores.
A crise de 1997-98 representou uma importante
realocação de lucros. O brutal rearranjo do câmbio reduziu bruscamente o valor
das exportações e dos salários na Ásia. Os produtos asiáticos de TI tornaram-se
commodities e ocorreu profunda transferência global de renda da Ásia
para os Estados Unidos. Um efeito derivado foi a erosão da capacidade de
financiamento de novos investimentos na Ásia oriental. Os NPIs, provavelmente,
perderam a capacidade de se reinventar. Agora, essa perda pode ser fatal.
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