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quarta-feira, 24 de abril de 2013

A cidade perversa e o esgotamento do prazer (Excerto)

Por Olgária Matos (Professora titular da Universidade de São Paulo)


O texto a seguir é um excerto do texto original que será publicado na Revista e-metropolis, na edição de dezembro de 2011.

Em suas reflexões sobre a metrópole moderna e a filosofia do dinheiro, Simmel indica as mudanças no sentido da vida em comum dos homens.Se o primeiro espírito do capitalismo valorizou a parcimônia e o segundo o trabalho e o mérito de cada um,isto se deveu a que o dinheiro ainda não se estabelecera de forma hegemônica na instituição do social.A nova organização do tempo, a difusão, a partir do século XIX, dos relógios de bolso, a taylorização do trabalho operário e sua proletarização são a forma de acumulação do capital na metrópole cuja estrutura é a economia e a tecnologia, universalizando-se a pregnância do dinheiro como ideal de uma civilização.

Simmel trata do novo espírito do capitalismo tomando por eixo o dinheiro que passa a determinar todas as esferas da vida,mesmo aquelas que,no passado, eram autônomas com respeito às necessidades materiais imediatas e à economia, determinando a obsolescência de valores como a honra e o juramento que, na tradição da Grécia e da Idade Média, marcaram a política: “o juramento é”,afirmava Licurgo, o que mantém unida (to synecon) a democracia”. O juramento era a garantia da eficácia de uma asserção ou ato, a segurança de sua veracidade e realização: “Individual ou coletivo,o juramento só o é por aquilo que ele reforça e soleniza: pacto, engajamento, declaração. Ele prepara ou conclui um enunciado oral, o único a possuir um conteúdo significante,não enunciando nada por si mesmo.É, na verdade, um rito oral, freqüentemente completado por um rito manual de forma aliás variável.Sua função consiste não na afirmação que ele produz, mas na relação que ele institui entre a palavra pronunciada e a potência invocada.” Ligada, na origem, à dimensão religiosa, o juramento, não obstante, tinha força jurídica que reunia juramento e fé pelos quais cada um se abandona à confiança de um outro de quem recebe proteção.Com o declínio do homem religiosus, a idéia da sacralidade do juramento migrou para a esfera pública separada da vida privada e para o respeito às Leis contratadas em sociedade, o juramento consistindo na conformidade entre as palavras e os atos.

Diluindo a diferença entre o espaço pública e o da afetividade, o dinheiro e seu correlato,o mercado,convertem o próprio “Eros” em mercadoria O prestígio do dinheiro e seu estabelecimento como valor correspondem à mercantilização de todas as esferas da vida, selando o fim do papel filosófico e existencial da cultura.

Em A Cultura do Renascimento, J.Burckhardt encontra nas cidades da Renascença italiana o momento de fundação do vivere civile, o processo civilizatório significando distância com a rudeza e a selvageria, mas também uma experiência do tempo contrária à idolatria do útil e do trabalho. É o tempo livre das atividades necessárias à auto-conservação, aquele dedicado aos saberes cuja finalidade é interior a si mesma—como a literatura, as ciências e as artes, e que se encontram na origem da própria noção de cultura.Identificando cultura e estética na constituição da vida política,o vivere civile se dirige para o futuro, desconhecido e imprevisível, para isso redescobrindo as fontes de civilidade de que o moderno procede, cuja apogeu se encontrou na cultura e nas instituições da Grécia antiga, cânone da excelência a ser “imitada”.Para Burckhardt apenas com os grandes filósofos se inicia uma autêntica grandeza na qual se associam política e graça,a kháris e a fascinação do inexplicável da beleza: “se amamos é porque algo de indefinível se acrescenta à beleza–um movimento, uma vida, uma aura que a torna desejável e sem os quais a beleza permanece fria e inerte[...].No amor se tem um ‘a mais’, existe nele algo de injustificado.E isso que nas coisas corresponde a esse a mais é a Graça, é a vida em seu mistério mais profundo.” Opondo a urbs ao campo, a polis ao ruris e a polidez ao ruralis, a cidade é o espaço da vida em comum segundo os valores da democracia e da filosofia, da política e da contemplação,da ética e da estética

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