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quarta-feira, 10 de abril de 2013

A Reflexão sobre a política de Hannah Arendt


Todo leitor da obra de Hannah Arendt é instigado, inicialmente, a investigar o porquê de suas linhas serem tão desconhecidas do público. Atribui isto, posteriormente, à complexa decodificação necessária  para o entendimento de qualquer tópico de estudos da autora. Este verdadeiro exercício lógico-filosófico não encontra muitas mentes dispostas em nossos dias. 
 
Neste texto iremos analisar, apenas superficialmente o “fio condutor” e, de certa forma, o elemento que subjaz a todos os escritos de Hannah Arendt: a crise profunda do mundo contemporâneo.  

Esta crise inicia-se, segundo a autora, logo após a destruição da tradição e do modo de pensar político, no plano intelectual, e a diluição do espaço da liberdade e felicidade pública, na esfera social. As conseqüência funestas desta destruição e diluição são para ela o motivo do homem “vaguear na obscuridade”, como relata Tocqueville, citado por Hannah no prefácio de uma de suas obras. 

    Celso Lafer, aluno de Hannah Arendt na Universidade de Cornell esclarece ao comentar a obra da mestra, que esta se apresentou consciente desta crise logo no seu primeiro livro The Origins Of Totalitarianism onde investiga as fontes e os instrumentos do surto totalitário, que aliás, tinha motivo especial, já que era alemã e judia. 

    Foi com esta obra, aponta Lafer, que Hannah Arendt causou grande impacto e entrou para a cena pública mundial. 

   Em The Origins Of Totalitarianism, especificamente em seus capítulos finais, a autora demonstra que a experiência totalitária não teria acontecido se não houvesse antes a crise do próprio espírito humano, marcada pelo desenraizamento do homem e seu conseqüente desligamento com a tradição. A tradição a qual ela se refere não é a entendida atualmente, “tudo o que é passado”, mas sim a transmissão de lógica plural que conforme ela percebera,  já havia se esfacelado na Europa de seus dias. 

   Era possível entender, nesta altura, que o que Hannah compreendeu não era uma estado-de-coisas fruto de circunstâncias que aconteciam exclusivamente nos países de regime totalitarista, mas sim, um desdobramento histórico que havia afetado toda a Europa: a ruptura com o pensamento político tradicional do ocidente.  

   Terror, repressão e ideologia. Estes são os conseqüências mais marcantes dos regimes totalitaristas investigados por Hannah em The Origins of Totalianism. Mas, no entanto, pensamos que a busca da autora foi de tal profundidade que seu tema transcendeu o lapso temporal da Segunda Grande Guerra para se tornar um modo de percepção de todo o mundo contemporâneo. 

 Assim, dando prosseguimento aos seus estudos – e contrariando seus planos iniciais - publica em 1958 The Human Condition onde investiga a fundo como as revoluções e rupturas seculares puderam resultar em um “mundo de trevas”  que deu origem à cultura e ao mundo contemporâneo. A obra gira em torno de três temas que são os capítulos do livro: Labor, Trabalho e Ação chamados por ela – que emprestou termos do Latim – de Vita Activa. 

   Por Labor (labor) entendia a autora como “a atividade que corresponde ao processo biológico do corpo humano” e está relacionado intrinsecamente aos processos vitais do ser humano. Trabalho (work), por sua vez, “é a atividade correspondente ao artificialismo da existência humana” que “produz um mundo artificial de coisas” por fim “ação” corresponderia à “condição humana da pluralidade” a conditio per quam da realização política. 

  Depois de introduzir muito novos conceitos lingüísticos ao glossário político e ainda rever os já existentes, a autora passa a tratar da inversão do valor social da Vita Activa entre a antiguidade clássica e a era moderna.  

  Compreendeu, por exemplo, que a esfera pública da antiguidade era ocupada obrigatoriamente por homens livres e, a condição para que estes assim o fossem era a de não laborarem por seu sustento. Isto se deve ao fato de, nestas sociedades, a vida privada e seus individualismos serem tidas como inferiores à vida pública, especialmente quando falamos em labor, que é atividade biológica de simples permanência das faculdades vitais. Em outras palavras, a sociedade antiga via com inferioridade e até desdém alguém que exercesse atividades laborais apenas pela sua sobrevivência, já que via nestas pessoas apenas a similaridade com as  atividades dos  animais.  

 A era moderna, segundo Hannah Arendt não apenas diluiu a antiga divisão entre o privado e o público, mas também alterou o significado dos dois termos e a sua importância para a vida do cidadão. Com o trabalho transferido para o espaço público de relações, graças ao nascimento das fábricas, muito do que se entendia como público tornou-se privado e muito do que era privado tornou-se público, com perda para ambos. A Res Publica com isso, deixou de ser o fator principal que movia os homens o pensamento plural  - como dizia Hannah – deixou de existir. O lugar onde os homens exerciam sua liberdade – que, para ela, só é possível  assim – foi destruído e dele restou apenas uma geral alienação do mundo, uma sociedade de operários (laboradores) que anseiam utopicamente uma sociedade sem trabalho, sendo que, estes mesmos homens já haviam perdido completamente o domínio sobre qualquer outra forma de organização social. Com isto, chega ao fim também o espaço de surgimento do pensamento alargado ao qual Kant se referia, ou ainda, o pensamento de estrutura dialógica como nos diz o nosso Tércio Sampaio Ferraz Junior. 

  Por observar tão dedicadamente a Vita Activa contemporânea a autora de The Human Condition critica outros grandes pensadores anteriores a ela, como o próprio Karl Marx e, em muitos aspectos, credita a ele a ruptura final com o modo de pensar político tradicional. A “prática da filosofia” proposta pelo marxismo também é duramente criticada e na sua maior parte a própria interpretação de Hegel sofre algumas desmistificações na obra de Arendt. 

  Assim, a Res Publica tornou-se a maior preocupação de Hannah Arendt conforme acentua Celso Lafer no posfácio de The Human Condition. A autora se situa em sua explicação da realidade do nosso século em três eventos principais que alteraram a vida do homem moderno profundamente: o descobrimento da América, a invenção do telescópio e a Reforma Protestante, no livro, ela trata minuciosamente de cada um deles perfazendo um todo impressionantemente coerente. 

  É essa mesma preocupação que impulsiona Between Past and Future com a última edição de 1968. A obra é composta de seis ensaios, nos quais Hannah inaugura  o que ela chama de um novo modo de pensar a verdade. 

 Maduro, este que foi um dos mais profundos livros de Hannah alça vôos ainda mais altos. A obra busca situar na vida da mente o recanto onde a verdade possa surgir tendo em vista a cadência do espaço-tempo. 

   Ainda em Between Past and Future notamos que Hannah reafirma a crise do mundo contemporâneo desta vez, apontando e esmiuçando sua causa como um definhamento tanto do plano da Vita Activa quanto da Vita Contamplativa. Em outras palavras, o homem deixou de situar seu pensamento  na fissura temporal e histórica do próprio homem, pois “desde que o passado deixou de lançar luzes sobre o futuro” – para citar novamente Tocqueville – “a mente do homem vagueia na obscuridade”.  

  A autora apresenta na introdução desta obra uma parábola de Kafka que, aliás, sempre foi alvo de muita admiração de Hannah.  

 Na parábola de Kafka o homem – chamado brilhantemente pelo autor  de “ele”, figurando assim de uma forma genérica e abstrata, não como “o homem” ou “aquele” – é atirado para frente pelo passado, que, aliás, sequer “passou”, e ainda é empurrado para trás pelo futuro. 

  Hannah toma a liberdade de continuar contando a parábola de Kafka em seu livro, afirmando ainda que a fissura do lapso temporal onde o “ele” de Kafka se situa é  paradoxalmente, – mas não insoluvelmente -  a pequena sutileza do pensar humano onde a verdade pode florescer. 

 No primeiro ensaio de Between Past na Future Hannah, baseada em seus estudos de História – seu conceito e objeto cognitivo -  de uma maneira bastante instigante compara o sentido contemporâneo de História ao sentimento Helenístico clássico da  Vita Activa e da imortalidade, que a seguir brevemente explico: 

  Para os helenos tudo no mundo seguia uma eterna transição entre ser e não-ser de modo que todas as coisas nasciam e pereciam em um fluxo eterno que eles entendiam ser o próprio substrato da própria imortalidade. Os homens, por sua vez, ao se encontrarem conscientes de sua própria condição se tornavam mortais, já que a natureza simplesmente é, enquanto o homem tem a “consciência de ser”. Assim, um homem heleno poderia se tornar imortal apenas pelos seus grandes feitos, e somente a vida pública concedia a possibilidade de tais feitos. O conceito de História então, seria o de imortalizar estes atos e registra-los para a posteridade,  imortalizando – conforme entendiam os helenos – seus autores. 

  Já contemporaneamente, mais precisamente após o cristianismo, o homem passou a perceber a natureza do mundo como peremptória, decadente, mortal e originalmente pecaminosa.  O homem, nesta realidade já nascia com a alma imortal e era da condição humana retornar ao estado originário de imortalidade através da salvação. É daí, portanto, o pensamento cristão de definirem como “viajantes na terra”, transeuntes do mundo terrestre. 

  Nota-se portanto, quão profundas são as mudanças de percepção que o homem sofre ao presenciar certos eventos e que é preciso de mentes que se aventuram neste terreno tão misterioso e surpreendente para desvendá-los. 

  Já no terceiro ensaio de Between Past and Future Hannah trata do real conceito de autoridade cujo significado não é mais encontrado na vida contemporânea. Segundo ela, este conceito não tem nada de força, coação ou mesmo o império da Lei. Ele gira em torno de hierarquia legitimada pela democracia. Não é um relacionamento entre iguais, concorda Hannah, que é o que anima o discurso político mas é legítimo na medida em que seja fruto da inteira liberdade de se constituir a hierarquia. Como diz a própria Hannah: O direito e a legitimidade de quem manda e obedece está onde ambos reconhecem e ambos têm seu lugar estável e pré- determinado”  

  A aspecto mais conclusivo e impressionante no pensamento de Hannah Arendt é sem dúvida o político. Seu desenvolvimento filosófico foi desvendar através da mecânica dos fatos políticos o lugar onde o a humanidade realmente se situa. 

  Por fim, os conjuntos de fatos que nos fizeram livres são os mesmos que  não conseguiram legitimar nossa liberdade já que no processo revolucionário perderam-se, na práxis, os conceitos de público/privado, autoridade/ força, bem como os de cultura, política e até de Estado. 

  Nada é tão identificável com a realidade brasileira do que esta “falta de referências”. Nossos conceitos de política, cultura, liberdade e autoridade se esvaem na ignorância das massas. Mas, segundo nos propõe Hannah Arendt , a redescoberta da sabedoria acontecerá com os que resgatarem a plena realidade de seu ser concreto que ressurge quando situamos nosso pensamento na lacuna temporal entre o passado e o futuro. Por fim, a própria Hannah finaliza: 

... the conditions of human existence – life itself, natality and mortality, wordliness, plurality and the earth – can never “explain” what we  are or answer the question of who we are for the simple reason that they never condition us absolutely.” The Human Condition 

[... as condições de existência humana – a  vida em si, natalidade e mortalidade, mundanidade, pluralidade e planeta -  nunca podem "explicar " o que nós somos ou responder a pergunta de que lado estamos pela simples razão de que eles nunca condicionam-nos absolutamente] 

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