DA IMPUTAÇÃO
DO PAGAMENTO (CC, arts.
352 a 355)
1. Conceito
A imputação
do pagamento consiste na indicação ou determinação da dívida a ser quitada,
quando uma pessoa se encontra obrigada, por dois ou mais débitos da mesma
natureza, a um só credor, e efetua pagamento não suficiente para saldar todas
elas. É possível que o mesmo devedor
tenha várias dívidas com um só credor, mas o pagamento é insuficiente para
saldar todas elas. Surge a necessidade de se saber a qual ou as quais deve ser
aplicado o pagamento.
Ex.: Paulo
(devedor) deve a João (credor), por vários títulos de dívidas líquidos e
certos, já vencidos, R$ 80,00, R$120,00 e R$250,00. Ele faz uma oferta de
pagamento de R$80,00. A importância não é suficiente para saldar a soma dos
débitos. É necessário saber em qual delas será imputado o pagamento. Paulo pode
pagar toda a dívida de R$80,00, ou pagar, em parte, uma das outras.
OBS: O que o
direito positivo faz é disciplinar a faculdade
de escolher, entre os débitos, aquele que será satisfeito.
2. Requisitos
Para se falar
em imputação do pagamento, é necessário que concorram os seguintes requisitos:
a)
Duplicidade ou multiplicidade de débitos: se isso não
se dá não há razão para imputação. Exceção à regra está no artigo 354 do CC,
onde imputa-se o pagamento primeiro nos juros vencidos, e depois, no capital;
b)
Identidade de credor e devedor: o débito
deve estar vinculado a um só devedor e um só credor, salvo a hipótese de
solidariedade ativa, em que o credor é sempre um só;
c)
Débitos da mesma natureza: tenham por
objeto coisas fungíveis da mesma natureza, espécie e qualidade. Assim se, por
exemplo, Paulo está devendo a Pedro uma soma em dinheiro e uma saca de milho,
ficará caracterizada a natureza diversa e não se aplicará a imputação;
d)
Débitos líquidos e vencidos: a dívida é
líquida quando a obrigação é certa, quanto à sua existência, e determinada,
quanto ao seu objeto (dívida perfeitamente determinada). Vencia é a exigível
porque atingido o termo prefixado para o vencimento;
e)
O pagamento deve cobrir qualquer dos débitos: necessário,
por fim, que a importância entregue ao credor a título de pagamento seja
suficiente para extinguir ao menos uma das diversas dívidas, pois do
contrário estar-se-ia constrangendo o credor a receber pagamento parcial, a despeito
da proibição constante do art. 314 do estatuto civil.
3. Espécies
Há três espécies de imputação:
·
Imputação por vontade ou indicação do devedor: a imputação caberá, em regra a este. O devedor é o titular do direito de
imputar o pagamento (CC, art 352). Esse
direito sofre, no entanto, algumas limitações: a) o devedor não pode imputar
pagamento em dívida ainda não vencida se o prazo se estabeleceu a benefício do
credor (CC, art. 133); b) o devedor não pode, também, imputar o pagamento em
dívida cujo montante seja superior ao valor ofertado, salvo acordo entre as
partes, pois pagamento parcelado do débito só é permitido quando convencionado
(CC, art. 314); c) o devedor não pode, ainda, pretender que o pagamento seja
imputado no capital, quando há juros vencidos, "salvo estipulação em contrário, ou se o credor passar a quitação
por conta do capital" (CC, art. 354);
·
Imputação por indicação do credor: ocorre quando o devedor não declara
qual das dívidas quer pagar. O direito é exercido na própria quitação. Se o
devedor não imputar, caberá a imputação ao credor. Não procedendo, portanto, o
devedor à imputação, o credor irá declarar de qual obrigação o devedor está
sendo desonerado (CC, art. 353);
·
Imputação por determinação legal: tem caráter
subsidiário, só tendo lugar quando o
devedor não fizer a indicação e a quitação for omissa. Verifica-se, assim,
que o credor que não fez a imputação no momento de fornecer a quitação não poderá
fazê-lo posteriormente, verificando-se, então, a imputação legal. Os critérios
desta são os seguintes: a) havendo capital e juros, o pagamento imputar-se-á
primeiro nos juros vencidos (CC. art. 354); b) entre dívidas vencidas e não
vencidas, a imputação far-se-á nas primeiras; c) se algumas forem líquidas e
outras ilíquidas, a preferência recairá sobre as primeiras, segundo a ordem
de seu vencimento (CC, art. 355): d) se todas forem líquidas e vencidas ao
mesmo tempo, considerar-se-á paga a mais onerosa, conforme estatui o
mesmo dispositivo legal. Mais onerosa
é, por exemplo, a que rende juros, comparativamente à que não os produz; na
dívida que tiver garantia hipotecária de preferência a um credor quirografário,
etc.
Não prevê o
Código Civil nenhuma solução para a hipótese de todas as dívidas serem
líquidas, vencidas ao mesmo tempo e igualmente onerosas. Não tem a
jurisprudência, nestes casos, determinado a imputação na mais antiga, como
pretendem alguns, mas aplicado, por analogia, a regra do art. 433, inciso IV.
do Código Comercial, pelo qual. "sendo
as dívidas da mesma data e de igual natureza, entende-se feito o pagamento por
conta de todas em devida proporção"
DA DAÇÃO EM PAGAMENTO
(CC, arts.
356 a 359)
1. Conceito
A dação em pagamento é um acordo de vontades entre credor e devedor, por
meio do qual o primeiro concorda em receber do segundo, para exonerá-lo da
dívida, prestação diversa da que lhe é devida. Em regra, o credor não é
obrigado a receber outra coisa, ainda que mais valiosa (CC, art. 313). No
entanto, se aceitar a oferta de uma coisa por outra, caracterizada estará a
dação em pagamento. Tal não ocorrerá se
as prestações forem da mesma espécie.
Ex.: Se o devedor obriga-se a pagar a quantia de R$1.000,00, poderá
solver a dívida por meio da dação, entregando um automóvel ou prestando um
serviço, desde que o credor consinta com a substituição das prestações.
Assim, na dação em pagamento ocorre uma alteração voluntária e
satisfativa. Vale lembrar que a dação se
dá no momento da execução da obrigação.
A datio in solutum (dação em pagamento) pode haver, mediante acordo,
substituição de dinheiro por bem móvel ou imóvel, de coisa por outra, de coisa
por fato, de dinheiro por título de crédito, de coisa por obrigação de fazer
etc.
OBS: Dação em Pagamento não se confunde com Obrigações Alternativas. Nesta há outra hipótese (outro objeto
prestacional) na gênese da obrigação, o que na dação só ocorre no momento da
execução. A diversidade de prestações está prevista no próprio título da
obrigação ( por exemplo: nos termos do contrato, eu me obrigo a entregar um
imóvel ou dez mil reais).
2. Natureza Jurídica
Verifica-se, pela redação do art. 356 do Código Civil, que a dação em
pagamento é considerada uma forma de pagamento indireto.
3. Requisitos
São
requisitos da dação em pagamento:
·
A existência de uma dívida: visto que
ninguém pode pretender solver uma dívida que não seja existente e exigível;
·
Consentimento do credor: não basta a
iniciativa do devedor, uma vez que, segundo a legislação em vigor, a dação só
terá validade se o credor anuir (pois caso contrário aplicar-se-ia o art. 313
do CC);
·
A entrega de coisa diversa da devida, presente a
intenção de extinguir a obrigação: somente a diversidade essencial de
prestação caracterizará a dação em pagamento. Há diversidade, assim, entre a
prestação e a que lhe irá substituir.
CC, Art. 357 - adoção das
normas do contrato de compra e venda. Na dação em pagamento, a prestação em
dinheiro é substituída pela entrega de um objeto, que não é recebido por preço
certo e determinado. É o que se passa quando João deve a Pedro quinhentos
reais. Ao tempo da prestação eles convencionam que Pedro recebe de João em
pagamento daquela quantia o cavalo Ventania,
sem que se faça qualquer alusão ao preço. Há recebimento de uma coisa por
outra. Mas se João entrega a Pedro uma propriedade que possui, prefixando soma
precisa para a coisa cuja posse e propriedade se transmitem ao credor, temos a
compra e venda ou, mais precisamente, a equiparação prevista no dispositivo
legal em estudo, aplicando-se as regras relativas a esse contrato.
CC, Art. 358 - se o
objeto da prestação não for dinheiro e houver substituição por outra coisa, não
haverá analogia com a compra e venda, mas com a troca ou permuta. Se for título
de crédito a coisa dada em pagamento, a transferência importará em cessão. O
fato deverá ser, por essa razão, notificado ao cedido, nos termos do art. 290
do mesmo diploma.
CC, Art. 359 – evicção
é uma garantia legal típica do contratos onerosos, em que há transferência de
propriedade; traduz a idéia de perda; quando o adquirente de um bem vem a
perder a sua propriedade ou posse em virtude de decisão judicial que reconhece
direito anterior de terceiro sobre o mesmo. Em tal situação observa-se três
sujeitos:
·
O alienante: que
responderá pelos riscos da evicção, ou seja, que deverá ser responsabilizado
pelo prejuízo causado ao adquirente;
·
O evicto: o
adquirente, que sucumbe à prestação reivindicatória do terceiro;
·
O evictor: o terceiro
que prova o seu direito anterior sobre a coisa.
Essas
considerações são de fundamental importância para o estudo do presente
capítulo, senão vejamos:
Vamos
imaginar que o credor aceite, ao invés dos R$10.000,00, a entrega de um imóvel
pelo devedor.
O que
fazer, então, se um terceiro, após a dação ser efetuada, reivindicar o domínio
do bem, provando ter direito anterior sobre ele?
Neste caso,
se o credor for evicto da coisa recebida em pagamento – ou seja, perdê-la para
o terceiro que prove ser o verdadeiro dono, desde antes da sua entrega –, a
obrigação primitiva (de dar os dez mil reais) será restabelecida, ficando sem
efeito a quitação dada ao devedor.
Apenas
deverão ser ressalvados os direitos de terceiros de boa-fé, a exemplo do que
ocorreria se a prestação originária fosse a entrega de um veículo, e este já
estivesse alienado a terceiro.
4. Dação Pro Solvendo
Não há que se
confundir a dação “in solutum” (opera o
efeito extintivo imediato), com outra figura, muito próxima, posto diversa,
a denominação dação “pro solvendo”,
cujo fim precípuo não é solver imediatamente a obrigação, mas sim facilitar o
seu cumprimento.
Ex:
“A, pequeno retalhista, deve ao armazenista B cem
contos, preço da mercadoria que este lhe ofereceu. Como tem a vida um pouco
embaraçada e o credor aperta com a liberação da dívida. A cede-lhe um crédito que
tem sobre C, não para substituir o seu débito ou criar outro ao lado dele, mas
para que o credor B se cobre mais facilmente do seu crédito, visto C estar em
melhor situação do que A.
Quando esta seja a intenção das partes, a
obrigação não se extingue imediatamente. Mantém-se, e só se extinguirá se e à
medida que o respectivo crédito for sendo satisfeito, à custo do novo meio, ou
instrumento jurídico para o efeito proporcionado ao credor.” [1]
Vale lembrar
que, se pro soluto, a obrigação fica
extinta e o devedor liberado, ainda que insolvente o devedor do título. Se in solvendo, não se dá a extinção
automática do débito, senão que esta extinção e conseqüentemente liberação do
devedor não se produz até que e tanto que o credor tenha tornado efetivo o
crédito que lhe foi cedido.
Nessa linha
de raciocínio, não basta dizer que a dação
tenha efeitos da cessão, mas atentar
para a intenção do credor, prevalecendo, na dúvida, a solução mais favorável,
que mantém o cedente vinculado ao evento do pagamento.
Mas se o devedor
entregar um título de crédito que não foi constituído ao seu favor, um
outro que traduza novo débito ao credor, em substituição à obrigação anterior,
não há dação em pagamento, porém meio de pagamento, ou uma novação, ou uma datio
in solvendo conforme o caso.
5. Efeitos
O efeito que
a dação em pagamento produz é a extinção da dívida.
Não se cogita
do valor do objeto dado em substituição. Se valer menos, o credor não poderá
exigir do devedor que pague a diferença; se valer mais, o devedor não terá como
exigir que o credor restitua o excedente. O princípio conhece exceção apenas
quando o credor for evicto da coisa recebida, porque isso implica
restabelecimento da obrigação primitiva, porque fica sem efeito a quitação
dada, como está no artigo 359 do código civil.
[1] GAGLIANO,
Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, volume II: obrigações / Pablo
Stolze Gagliano, Rodolfo Panplona Filho. 9 .ed. rev. e
atual. São Paulo: Saraiva, 2008 p 177.
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