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quinta-feira, 25 de abril de 2013

Lampião: Gênio da estratégia militar

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Paulo Gonçalves   

Grota de Angicos, interior de Sergipe, 28 de julho de 1938. Era época de inverno. As fortes chuvas e a cerração ajudavam a esconder o bando de Virgolino Ferreira da Silva — Lampião —, perseguido por forças policiais a mando do ditador Getúlio Vargas. Era o começo da manhã quando, durante o café, os cangaceiros testemunharam o chefe se contorcer ao impacto de um tiro que lhe atingiria a cabeça, fazendo voar longe a sua caneca de café. Em seguida, outro tiro no peito derrubou-o ao solo, seguido do barulho ensurdecedor de rajadas de metralhadoras e tiros de fuzis. Maria Bonita e outros dez cangaceiros também foram mortos. Encerrava ali uma trajetória iniciada em 1920, quando Lampião aderiu ao cangaço, para vingar a morte dos seus pais.

Considerado um dos maiores estrategistas militares da nossa história, o cangaceiro era um gênio intuitivo, segundo especialistas. Um dos grandes estudiosos do tema, o historiador Frederico Pernambucano de Melo afirma que Lampião foi um homem à frente do seu tempo. "Em outro período histórico ele teria sido um grande guerreiro, dado a sua destreza no manuseio das armas e sua coragem sem par frente aos mais terríveis obstáculos. Sem contar que, em seu tempo, no comando de grupos e subgrupos, comandou verdadeiras feras humanas, homens rebeldes e destemidos que diante do chefe pareciam simples cordeiros", afirma.
Lampião parecia mesmo invencível. Os mais valentes e conceituados oficiais reconheciam sua força, tanto que poucos conseguiram se aproximar do bandido, só vencendo-o através da traição, praticada por um antigo coiteiro do bando, chamado Pedro de Cândida que, perseguido pela polícia, torturado, humilhado, resolveu levar a tropa à gruta onde os cangaceiros se escondiam.
"Não fosse a traição, afirma Frederico, seria quase impossível derrotá-lo." O historiador diz que as principais estratégias usadas por Lampião baseavam-se em dois aspectos fundamentais: a manutenção do seu grupo em perfeita harmonia e o emprego da informação, da contra-informação, dos boatos, da disseminação de notícias e do uso do terror. "Ele era espirituoso com os seus companheiros e cruel com os inimigos. Sabia impor suas decisões e atemorizar até os homens de sua convivência. Por isso não media esforços para usar da violência em último grau, quando se fazia necessário."

O cangaço levou ao extremo uma 
prática guerreira herdada dos indígenas


Sábio no comando do grupo, Lampião descobriu que ficava muito oneroso manter um agrupamento de muitos homens, por isso resolveu dividir o grupo em sub grupos. Assim sendo, escolheu os homens mais valentes e de sua confiança e distribuiu entre eles os homens do contingente total. Dessa forma, mantinha vários grupos sob seu comando, distribuídos em diversos locais, dando a impressão de que o mesmo grupo estava em vários lugares ao mesmo tempo, uma vez que quando praticavam alguma ocupação ou saque, usavam sempre o mesmo artifício, e os mesmos uniformes, saudando Lampião e cantando a música Mulher Rendeira. Dessa maneira, a população nunca sabia de fato quem era e onde estava o principal líder do cangaço.

O FRACO CONTRA O FORTE

"O cangaço levou ao extremo uma prática guerreira herdada dos indígenas, também utilizada pelos chamados capitães do mato, do período holandês. É a guerra do fraco contra o forte, utilizada ainda hoje pelas Forças Armadas Brasileiras, nas campanhas e treinamentos na selva. Seria a única maneira das Forças brasileiras obterem sucesso numa eventual guerra contras as forças hegemônicas interessadas no nosso território e nossas riquezas", afirma Frederico. Este estilo de guerra móvel, ou volante, é o mais tradicional tipo de guerra e de concepção inteiramente brasileira, conhecida pelos estudiosos como Guerra Brasílica, baseada nas emboscadas e que já obteve grande sucesso ainda no século XVII, quando os brasileiros venceram o exército dos países baixos, considerado o mais forte e bem equipado da época.
Lampião preocupava-se sobremaneira com o abastecimento alimentar e bélico do seu grupo. Era a chamada manutenção da boca e da arma. E ele adotava um sistema tático que na terminologia militar é chamado de emprego da reserva, mas ele chamava de retaguarda. Baseava-se no destacamento de 30% dos homens do seu grupo para ficar adejando como satélite em volta do grupo principal, objetivando captar o avanço da força atacante e contra-atacar pela retaguarda. Com essa tática eles venciam forças com destacamento de até o dobro dos seus homens, numa bem sucedida adaptação de procedimentos militares à guerrilha.
Quanto à estratégia, Lampião sabia como ninguém utilizar a informação e a contra-informação. Administrava admiravelmente bem a sua imagem e disseminava notícias sobre seus combates a ponto de fazer com que as forças que vinham combatê-lo já chegassem trêmulas, provocando inclusive várias deserções entre as volantes na hora do combate. Há casos registrados de deserções que atingiam a metade dos destacamentos, dias antes de combater o grupo de Lampião. A esse respeito, há uma frase dele que ficou famosa, dita no município de Capela, na Bahia, em 1929 "Não sei pruquê nunca vi homem corado na minha frente."

TÁTICAS DE GUERRILHA

Entre as principais táticas utilizadas pelos cangaceiros de Lampião há registros sobre o despistamento, o contra-ataque e o terror. O despistamento mais conhecido era a utilização de alpercatas confeccionadas com o solado ao contrário, para dar a impressão de, quando estava indo, estar voltando. O contra-ataque consistia no tiroteio sustentado pelo seu grupo principal na linha de frente de combate, enquanto a outra parte do grupo rodeava o palco da luta para cercar a volante por trás. Isso deixava os soldados aterrorizados e sem rumo. Outra parte do grupo cuidava dos flancos direitos e esquerdos e a volante era assim cercada por inteiro causando grande prejuízo e uma fatal debandada. Grande parte dos atos de terror que Lampião praticou foi por vingança. E quando os praticava, fazia da maneira mais cruel que podia imaginar. Era uma das principais características do seu modo de ação, o que aterrorizava os seus inimigos e levava-os a correr e esconder-se diante da simples menção do seu nome.
Por outro lado, depoimentos de centenas de pessoas ouvidas pelo historiador definem Lampião como um homem alto (tinha 1,80m), moreno, calmo e bem-educado, que bebia (uísque White Horse) moderadamente, sem nunca se embriagar. Tratava bem as pessoas, era um tanto taciturno, mas agradável para os que lhe eram agradáveis.
Os acontecimentos que levaram à morte de Lampião, segundo Frederico, podem ser entendidos no quadro geral do Estado Novo, implantado em 10 de novembro de 1932, e que desembocam também nos massacres de Caldeirão e Pau de Colher(leia AND nº 2, p. 17). As elites resolveram acabar com a formação de sociedades rurais autônomas, livres do jugo dos latifundiários e do clero, contando para isso com o apoio do Governo Vargas, que enviou tropas especiais para o sertão, dispostas a praticar quantas execuções sumárias fossem necessárias para exterminar o cangaço, assim como as comunidades camponesas que brotavam em vários estados do Nordeste.
"O governo dizia que fanatismo e cangaço eram considerados ícones da vida primitiva e não poderiam fazer parte do Estado Novo, precisavam ser exterminados." E o cangaço se nutria de dois aliados importantes: as fronteiras interestaduais, e a inviolabilidade das fazendas. Não por coincidência, na sua primeira manifestação pública o Estado Novo queimou simbolicamente as bandeiras dos estados. Getúlio Vargas afirmava, então, que a partir dali não haveria mais autonomia dos estados e sim um Brasil só.
Lampião, que vivia entrando e saindo pelas fronteiras, aproveitando-se do fato das polícias estaduais não poderem agir além de suas áreas, sofreu um grande golpe com esta nova realidade. "Não por acaso, ele foi assassinado em Sergipe, por uma força policial de Alagoas", lembra o historiador. O Estado Novo tratou também de reduzir a inviolabilidade do latifúndio. Os coronéis não mais poderiam proibir a entrada de forças policiais nas suas terras, que muitas vezes serviram de covis para os cangaceiros. Por este conjunto de fatores, o historiador diz que o tiro que matou Lampião foi disparado do Palácio do Catete, sede do Governo Federal, no Rio de Janeiro.

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