CONCEITO E DIVISÃO
Escolas
jurídicas da Antigüidade: mundo árabe
A Escola
Malequita,
Teve como fundador Malek ben Anas (713-795),
desenvolveu-se na Espanha árabe, no norte da África (Tunísia, Argélia, Marrocos
e Alto Egito) e na África interior muçulmana. Opondose aos hanifitas, procurou
restringir a importância da eqüidade, como fonte do Direito, para considerar, como
principal critério de interpretação, o consentimento unânime. Já que a maioria
das tradições tinham surgido em Medina, o consenso das opiniões vigentes nessa
cidade é que seria ponderado. A escola também realçava as decisões jurídicas e
o conceito de utilidade pública, que introduziu. A Escola Chafe/ta, criada por
Abu AbdaJah Mohamed ben Idris as Chafei (767-821), alcançou grande prestígio
entre os povos árabes. Desenvolveu a
idéia do consentimento geral, já introduzido pelos malequitas, entendendo,
porém, que deveria ser o de toda a comunidade muçulmana, e não apenas o da cidade
de Medina. Segundo a escola, a indagação mais importante no Direito seria a da
causa, ou raiz, da norma jurídica, recurso que permitia resolver questões
imprevistas.
a) a Escola dos Glosadores, ou Escola de Bolonha
(séculos XI a XIII), fundada por Irnério (aprox. 1055- 1125), na Itália, e a
que pertenceram Francesco Accursio (1182-1260), Porcio Azon (?-1230), Búlgaro, Martino
Gosia, Ugo e Jacopo da Porta Ravenata. Fundava-se na interpretação gramatical,
sem qualquer esforço crítico, do Corpus Júris Civilis de Justiniano, através de
glosas (anotações marginais ou interlineares) acrescentadas aos textos
estudados. A recepção do Direito Romano, nessa época, teve como causas o
aparecimento da burguesia (gerando novas e mais complexas relações jurídicas,
que o costume e os códigosbárbaros não
estavam aptos a regular) e a necessidade de fortalecimento do poder real, princípio
que encontrava apoio no direito romano-bizantino. O labor dos glosadores
desenvolveu-se principalmente na Escola de Bolonha, estendendo-se depois para
outros pontos da Itália e da Europa;
b) a Escola dos Comentaristas, também chamada dos
Pós-Glosadores, Tratadistas, Esco-lásticos ou Bartolistas (século XIII a XV).
Consistiu na tentativa de adaptar o Direito Romano, que os glosadores
restauraram, às novas relações econômicas e sociais da sociedade feudal. Os
comentaristasa crescentaram apreciações próprias aos textos romanos, adotando o método lógico
da dialética escolástica, além de procurarem aplicá-lo na prática. Pertenceram
a esta escola Jacques de Révigny (7-1296), seu iniciador, e Pierre de
Belleperche (? 1307), na França; Cino de Pistoia (1270-1336), Jacopo de Belviso
(1270-1335X Bártolo de Sassoferrato (1313-1357), Pietro Baldo degli Ubaldi
(1319 ou 1327-1400) e Giasone dei Maino (1435-1519), na Itália;
c) a Escola da Culta Jurisprudência, ou Escola
Culta, ou Escola dos Humanistas (séculos XVI a XVIII), fundada pelo italiano
Andréa Alciato (1492-1550) e que teve como principais representantes: Guillaume
Budé (1467-1540), Jacques Cujas (1522-1590), Hughes Doneau (1527-1591),
François Hotman (1524-1590), François de Connan (1508-1551), Bernabé Brisson
(1531-1591), François Baudouin (1520-1573), Antoine Favre (1557-1624), François
Douaren (1509-1559) e Charles Annibal Fabrot (1580-1659), na França; Ulrich
Zasio (1461-1536) e Gregor Meltzer (1501-1532), na Alemanha; Antônio Agustín
(1516-1586), na Espanha; Denis Godefroy (1549-1622), na Suíça; e Gian Vincenzo
Gravina (1664-1728), na Itália. Em contraposição à Escola dos Comentaristas,
estudava o Direito Romano de forma erudita, transformando-o em direito
histórico, cuja interpretação era feita à luz das fontes originais, com o
auxílio da Filologia, da História, da Literatura e do estudo da organização
social da Antigüidade;
d) a Escola dos Feudistas (século XVI), surgida na
França, sob a chefia de Charles Dumoulin (1500-1566) e integrada, dentre
outros, por Guy Coquílle (1523-1603), Antoine Loisel (1536-1617) eEtienne
Pasquier (1529-1615). Procurou unificar o direito comum, libertá-lo da desordem
das instituições feudais e da incoerência dos costumes díspares. Assim
rejeitou, quer o método de adaptação das instituições romanas (Escola dos
Comentaristas), quer o estudo histórico-crítico do Direito Romano (Escola da
Culta Jurisprudência);
e) a Escola Holandesa (séculos XVII e XVIII), que
apareceu nos Países Baixos, como extensão da Escola da Culta Jurisprudência.
Também procurava estudar o Direito Romano como direito histórico, como critério
crítico, dirigido, contudo, predominantemente, à prática jurídica, numa reação
à postura excessivamente teórica da Escola da Culta Jurisprudência. Foram seus
principais representantes: Arnold Vinnen (1588-1657), Jacobus Maestert
(1610-1657), Ulrich Huber (1636-1694), Johann Voet (1647-1714), Gerhardt Noodt
(1647-1725), Laurens Theodor Gronow (1659-1710), Antonie Schulting (1659-1734),
Cornelius von Bynkershoeck (1673-1743), Johannes Jacobus Wissenbach (1607-1665)
e Everhard Otto (1685-1756). (Paulo Jorge de Lima, ver Dicionário de Filosofia
do Direito, São Paulo, Sugestões Literárias, 1968, pp. 76 e segs.).
ESCOLAS DE ESTRITO LEGALISMO OU DOGMATISMO
São escolas presas a um estrito
legalismo ou dogmatismo a Escola da Exegese, a Escola dos Pandectistas e a Escola
Analítica de Jurisprudência, todas surgidas no século XIX, na França, Alemanha
e Inglaterra, respectivamente.
As três encarnam a projeção, na
hermenêutica, do positivismo jurídico que:
a) na França, conduziu ao culto da
vontade do legislador e ao culto dos códigos, considerados sem lacunas;
b) na Alemanha, sob o influxo do
historicismo jurídico, não subordinou o Direito ao
legislador, mas construiu uma teoria do
direito positivo que, partindo das normas singulares, tentou estabelecer as
noções jurídicas fundamentais;
c) na Inglaterra, reduzindo o Direito
aos precedentes judiciais e à lei, independentemente de um juízo ético,
caracterizou-se por ser uma análise e uma sistematização do direito positivo,
com o objetivo de estabelecer os conceitos jurídicos.
Escola da Exegese
Era constituída pelos comentadores dos
códigos de Napoleão, principalmente o Código Civil de 1804. Fundava-se na
concepção da perfeição do sistema normativo, na idéia de que a legislação era
completa e de que, na generalidade da lei, encontrava-se solução para todas as
situações jurídicas. Conseqüência desse entendimento era afirmar Bugnet que não
conhecia o Direito Civil, pois só ensinava o Código de Napoleão, enquanto
Demolombe fixava como divisa, como profissão de fé: "les textes avant
tout!"
A Escola da Exegese via na lei escrita
a única fonte do Direito, expressão mesmo do Direito Natural. Adotava como
método de interpretação, o literal, orientado para encontrar na pesquisa do
texto a vontade ou intenção do legislador (mens legislatoris). Somente quando a
linguagem fosse obscura ou incompleta, o intérprete lançaria mão do método
lógico. A função do jurista consistia em extrair plenamente o sentido dos textos
legais para apreender o significado deles. Negava valor aos costumes e
repudiava a atividade criativa, mínima que fosse, da jurisprudência.
Os mais extremados representantes da
escola entendiam, como Blondeau, que, em face de situações não previstas pelo
legislador, deveria o juiz abster-se de julgar. Outros, porém, menos radicais,
aceitavam, nessas hipóteses, o uso da analogia como mecanismo de integração do
Direito.
Escola dos Pandectistas
Como a Escola da Exegese, foi também
manifestação do positivismo jurídico do século XLX. Considerava o Direito como
um corpo de normas positivas. Conferia primado à norma legal e às respectivas
técnicas de interpretação. Negava qualquer fundamento absoluto ou abstrato à
idéia do Direito.
A falta, na Alemanha, de códigos como
os de Napoleão, os pandectistas construíram um sistema dogmático de normas,
usando como modelo as instituições do Direito Romano, cuja recons-tituição
histórica promoveram. Dedicaram-se ao estudo do Corpus Júris Civilis, de
Justinia-no, especialmente à segunda parte desse trabalho, as Pandectas, onde
apareciam as normas de Direito Civil e as respostas dos jurisconsultos as
questões que lhes haviam sido formuladas. O nome da Escola advém desse
interesse pelas Pandectas.
A Escola dos Pandectistas rejeitava as
doutrinas jusnaturalis-tas dos séculos XVII e XVIII e valorizava os costumes
jurídicos formados pela tradição.
Essa atenção aos usos e costumes levava
os pandectistas a uma interpretação do texto legal mais elástica do que a
preconizada pela Escola da Exegese.
Foi Windscheid quem colocou o problema
da interpretação em termos de "intenção possível do legislador", não
no seu tempo, mas na época em que se processasse o trabalho interpretativo. Se
o texto da lei comportasse duas interpretações, seria lícito optar por aquela
que realizasse um objetivo diverso do pretendido pelo legislador, levando em consideração
fatos supervenientes.
Essa colocação representou, na época,
um progresso. Dentre os principais representantes da Escola dos Pandectistas
podem ser citados: Bernhard Windscheid (1871-1892), Christian Friedrich Von
Glück (1755-1831), Alõis "Von Brinz (1820-1887), Heinrich Dernburg
(1829-1907) e Ernst Immanuel Von Bekker (1827-1916).
Escola Analítica de Jurisprudência
Também manifestação do positivismo
jurídico, a Escola Analítica de Jurisprudência entendia que o Direito tinha por
objeto apenas as leis positivas, não lhe interessando os valores ou conteúdo
ético das normas legais. Afirmava John Austin, fundador da Escola:
"A ciência da jurisprudência
ocupa-se com leis positivas ou, simplesmente, com leis em sentido estrito, sem
considerar a sua bondade ou maldade". Segundo John Austin (1790-1859), os
problemas relacionados com o Direito estão compreendidos em três campos
distintos:
a) a jurisprudência geral ou filosofia
do direito positivo, que trata da exposição dos princípios gerais comuns aos
diversos sistemas jurídicos positivos;
b) a jurisprudência particular, que
cuida do estudo das leis vigentes num determinado país;
c) a ciência da legislação, situada nos
domínios da Ética, que abrange os princípios que o legislador deve ter em conta
para elaborar leis justas e adequadas.
O Direito está, dessa forma,
completamente separado da Ética. O jurista ocupa-se das leis positivas, sejam
as leis particulares de um Estado, sejam os princípios gerais comuns aos
diversos sistemas jurídicos. Não considera se são justas ou injustas suas prescrições.
Ao legislador ou ao filósofo é que interessam os aspectos morais das normas.
Não há como confundir o "direito positivo", estudado pelos juristas,
e o "direito justo ou ideal", objeto das reflexões do legislador ou
filósofo.
A Escola Analítica de Jurisprudência
colocou seu fundamento na análise conceituai. Entendia que o conceito nada mais
era que a representação intelectual da realidade. Assim, a realidade poderia
ser integralmente conhecida através da análise dos conceitos que a
representavam.
A única fonte do Direito eram os
costumes acolhidos e chancelados pelos tribunais. A escola tentou sistematizar e
unificar o direito consuetudinário (essa foi sua contribuição, numa perspectiva
histórica), com olhos postos na realidade inglesa, onde não se adotou uma
constituição rígida e se fundou toda a estrutura jurídica no costume."
ESCOLAS DE REAÇÃO AO ESTRITO LEGALISMO OU DOGMATISMO
Parece-me que se possam considerar como
escolas que rea- i giram ao estrito legalismo ou dogmatismo, abrindo novos
horizontes à Ciência do Direito, a Escola Histórico-Dogmática, a Escola I
Histórico-Evolutiva e a Escola Teleológica. A Escola Histórico-Dogmática
opôs-se à literalidade interpretativa chamando a atenção para o elemento
sistemático, inerente 1 ao caráter orgânico do Direito.
A Escola Histórico-Evolutiva avançou
mais ainda, recusando o raciocínio formal adotado pelos seguidores da Escola
Histórico-Dogmática e propugnando pela pesquisa a posteriori do sentido da lei.
A Escola Teleológica combateu, quer o método dedutivo-silogístico, quer a jurisprudência
conceituai dos pandectistas e dos adeptos da Escola Histórico-Dogmática, propugnando
por uma interpretação que se inspirasse menos na lógica e mais no caráter finalístico
do Direito.
Escola Histórica do Direito
Surgiu na Alemanha, em princípios do
século XIX. Opôs-se às doutrinas jusnaturalistas dos séculos XVII e XVIII.
Negava a existência de um Direito Natural com pressupostos racionais e
universalmente válidos. Proclamava a historicidade do Direito, cuja origem e
fundamento repousavam na consciência nacional e \ nos costumes jurídicos oriundos
da tradição.
Podem ser resumidos, como postulados
básicos da Escola Histórica do Direito, os:
1º) o Direito é um produto histórico, e
não o resultado das circunstâncias, do acaso, ou da vontade arbitrária dos
homens;
2º) o Direito surge da consciência
nacional, do espírito do povo, das convicções da comunidade pela tradição;
3º) o Direito forma-se e desenvolve-se
espontaneamente, como a linguagem; não pode ser imposto em nome de princípios
racionais e abstratos;
4º) o Direito encontra sua expressão
inconsciente no costume, que é sua fonte principal;
5º) é o povo que cria o seu Direito,
entendido como povo não somente a geração presente, mas as gerações que se
sucedem. O legislador deve ser o intérprete das regras consuetudinárias, com pletando-as
e garantindo-as através das leis.
A Escola Histórica surgiu no apogeu do
neo-humanismo, quando o Direito era tido como pura criação racional. Foi
contribuição sua ter retirado o Direito da perspectiva abstrata do racionalismo,
fundada em exercícios de lógica e dialética, para uma perspectiva histórica,
rente à vida real. Pertenceram à escola os alemães Gustav von Hugo (1764-1844),
seu iniciador, Friedrich Karl von Savigny (1779-1861), sua principal figura,
Georg Friedrich Puchta (1798-1846).
Escola Histórico-Dogmática
A Escola Histórico-Dogmática foi o
primeiro desdobramento da Escola Histórica do Direito. Teve como principais
representantes Savigny, Puchta, Hugo, Gõschen, Eichhorn e Henry Maine. Ficou
também conhecida como Escola Histórica Alemã.
No terreno da Hermenêutica, a Escola
Histórico-Dogmática representou um avanço, comparativamente às escolas
anteriores. O intérprete não se devia ater à letra da lei para dela extrair
soluções para os casos, usando o processo meramente lógico: também o elemento
sistemático devia ser utilizado, de modo que se pudesse^ reconstruir o sistema
orgânico do Direito, do qual a lei mostrava apenas uma face.
Afirmando que o povo era o criador do
seu Direito, indicava ao intérprete, não obstante, pesquisar a intenção do
legislador, representante da consciência coletiva. Quando o pensamento da lei
aparecesse em contraste com o que o intérprete considerasse expressão da
consciência coletiva do povo, no momento de ser aplicada a lei, deveria optar
pela revelação direta dessa fonte mais profunda do Direito.
A Escola da Exegese supunha a plenitude
e perfeição da lei escrita. A Escola Histórico-Dogmática entendeu que essa
plenitude l só poderia ser encontrada no sistema do Direito Positivo.
Escola Histórico-Evolutiva
A Escola Histórico-Evolutiva, também
conhecida como Escola Atualizadora do Direito, teve em Saleillese Kõhler seus
vultos principais. Contrapôs-se à estratificação da Escola Histórico-Dogmática,
através da superação
de seus métodos pela pesquisa a
posteriori do sentido da lei. A rigidez do raciocínio formal adotado pela
primeira corrente da Escola Histórica, os seguidores da Escola Histórico-Evolutiva
acrescentaram - o que foi um passo adiante - certa medida de função criadora,
de modo que o Direito pudesse acompanhar as transformações sociais. Não obstante,
deveria o interprete ou aplicador manter-se no âmbito da lei.
Entendia a escola que alei deveria ser
considerada como portadora de vida própria, de maneira que correspondesse não
apenas às necessidades que lhe deram origem, mas também às necessidades
supervenientes. Observasse o intérprete não apenas o que o legislador quis,
porém também o que quereria se vivesse à época da aplicação da lei; adaptasse a
velha lei aos tempos novos, dando vida aos códigos. Saleilles achava que as
normas jurídicas estavam sujeitas à lei geral da evolução.
Escola Teleológica
O Teleologismo Jurídico, sendo uma
teoria do Direito, é também uma escola hermenêutica. Seu fundador foi o
jurisconsulto alemão Rudolph Von Ihering (1818-1892). Adepto do positivismo
jurídico do século XLX, Ihering acresceu aos postulados da Escola Histórico-Dogmática
as teorias or-gano evolucionistas do seu tempo.
Pregou Ihering que o Direito, como
organismo vivo, é produto da luta, e não de um processo natural, segundo
pretendia Savigny. O paralelismo entre o Direito, de um lado, e a língua e a
arte, de outro, devia ser recusado. Falso mas inofensivo, como concepção histórica,
esse paralelismo, como máxima política, encerrava uma heresia funesta, uma vez
que, num terreno em que o homem deveria empenhar todas as suas forças, complena
consciência dos objetivos, ele o induziria a crer que as coisas se arranjam por
si, "... que o melhor que se tem a fazer é permanecer inativo e aguardar
confiante aquilo que o pretenso manancial do Direito, a consciência nacional do
Direito, há de trazer paulatinamente à luz do dia".
Toda história do Direito é história de
lutas; todo direito foi adquirido pela luta. O Direito supõe luta, quer para
sua criação, quer para sua defesa: "O fim do direito é a paz, o meio de
atingi-lo, a luta. Enquanto o direito tiver de contar com as agressões partidas
dos arraiais da injustiça - e isso acontecerá enquanto o mundo for mundo -não
poderá prescindir da luta. A vida do direito é a luta - uma luta dos povos, dos
governos, das classes sociais, dos indivíduos".
Segundo Ihering, da mesma forma que
todas as ações humanas têm uma finalidade, também no Direito tudo existe para
um fim, sendo o mais geral a garantia de condições de existência da sociedade.
O fim é o criador do Direito.
A luta e o fim são elementos decisivos
na formação e transformação do Direito. O interesse é o motor do Direito. A
finalidade do Direito é a proteção de interesses. Sendo opostos os interesses,
cabe ao Direito conciliá-los, com a predominância dos sociais e altruístas.
Para essa subordinação dos interesses individuais aos interesses sociais, é
necessária a coação, exercida pelo Estado. Os direitos não surgiram como corporificarão
de uma vontade jurídica abstrata, e sim para assegurar os interesses da vida,
satisfazer suas necessidades, realizar seus fins.
No campo da hermenêutica, Ihering
criticou o método dedutivosilogístico. Combateu a jurisprudência conceitualista
desenvolvida quer pelos pandectistas, quer pelos discípulos da Escola
Histórico-Dogmática. Pretendeu sua substituição por uma jurisprudência que se
guiasse pelos resultados, invocando o caráter finalístico do Direito: não é a
vida que existe para os conceitos, mas os conceitos é que existem para a vida.
Não é a lógica que tem direito à
existência, mas o que a vida reclama, o que as relações sociais e o senso de justiça
exigem, pouco importando que seja logicamente necessário ou logicamente
impossível. Ihering condenou o processo das construções a priori e das deduções
geométricas.
Verberou os que pretendiam, em nome da
lógica, fazer da jurisprudência a matemática do direito. Investiu contra os
processos dialéticos da Escola Histórico-Dogmática e o valor excessivo que
atribuiu ao elemento lógico no Direito. Pregou que as regras jurídicas e as
soluções que consagram silo determinadas pelo fim prático e pelo fim social das
instituições. O método próprio do Direito é o teleológico, uma vez que a missão
do Direito é adaptar os meios à concepção dos fins, na realização dos
interesses sociais.
A construção jurídica deve respeitar o
conteúdo das regras positivas, mas os conceitos do legislador não são
obrigatórios para o intérprete. O legislador deve abster-se de construir, sob
pena de Invadir os domínios do jurista e da ciência. Respeitado o conteúdo da
lei, a liberdade da jurisprudência deve ser ampla.
ESCOLAS QUE SE ABREM A UMA INTERPRETAÇÃO MAIS LIVRE
A Escola da Livre Pesquisa Científica,
a Escola do Direito Livre, a Escola Sociológica Americana, a Escola da
Jurisprudência de Interesses, a Escola Realista Americana, a Escola Egológica e
a Escola Vitalista do Direito.
A Escola da Livre Pesquisa Científica
derrubou o mito da plenitude lógica da lei edemonstrou a supremacia da livre
pesquisa científica do Direito sobre o método, então vigente, de rebuscar na
abstração dos conceitos a resposta para os silêncios da lei.
A Escola do Direito Livre abalou a
certeza em que se imaginava estar alicerçada a ordem jurídica positiva,
demonstrou que a aplicação do Direito é informada por uma pauta axiológica e
realçou o papel criador e inovador da função judicial.
A Escola Sociológica Americana
demonstrou que o Direito é mais produto da evolução dos fatos sociais, na
precariedade do humano, do que a materialização de arquétipos eternos, mais
experiência que lógica mais militarismo que racionalismo.
A Escola da Jurisprudência de
Interesses sublinhou que a investigação dos interesses em jogo, e não a lógica,
é que deve orientar a Hermenêutica.
A Escola Realista Americana contribuiu
para demonstrar a existência de um abismo entre a concepção teórica de uma
justiça impessoal e inflexível e a realidade de uma justiça feita de homens, na
qual o juiz, com suas idéias e personalidade, é a figura decisiva.
A Escola Egológica pôs a descoberto a
verdadeira essência da decisão judicial, que opera um conhecimento por
compreensão, pelo qual o juiz e os litigantes compartem algo em comum e onde
está presente a intuição emocional do julgador. Outrossim, desvendou o
mecanismo dos julgamentos ao perceber que o juiz, ao aplicar a lei, põe o sentido
axiológico, iniciado na lei, na conduta que interpreta, ao mesmo tempo em que extrai
um sentido da conduta. O objeto da interpretação não é a norma, porém a conduta
humana.
A Escola Vitalista do Direito - ao
proclamar que a função jurisdicional escapa a qualquer criação legislativa, não
pertence a ela, não pode ser colocada dentro dela — alforria o mister de juiz e
confere-lhe imensa responsabilidade. Inova ao conceituar o método da aplicação
do Direito, demonstrando que não se deve guiar pela lógica formal, apta à
análise dos conceitos jurídicos fundamentais, porém desastrosa para o trato dos
problemas humanos, tjue reclamam uma lógica própria, a lógica do humano e do razoável.
Escola da Livre Pesquisa Cientifica
A Escola da Livre Pesquisa Científica
(Libre Récherche Scientifique) surgiu na França sob a inspiração da François
Gény (1861-1959). E também conhecida pela denominação de "Escola
Científica Francesa".
a)
porque o intérprete está liberto de toda influência exterior, não está
submetido a nenhum texto legal ou fonte do Direito (pesquisa livre);
b) porque se funda em critérios
objetivos, não é arbitrária (pesquisa científica). A livre pesquisa científica
visa a constituir "... uma espécie de direito comum, geral por sua
natureza, subsidiário por seu ofício, a fim de suprir as lacunas das fontes
formais e dirigir todo o movimento da vida jurídica".
A teoria de Gény parte da consideração
de que o Direito é constituído por duas séries de elementos: os
"dados" e os "construídos".
O dado (le donne) compreende todos
aqueles elementos não criados pelo legislador, mas elaborados pelo fluxo da
existência humana, como resultantes da natureza e da experiência social: eles
se impõem ao intérprete e também ao legislador.
O construído (le construit) é o
arcabouço das normas que o jurista constrói a partir do dado. E produto da
vontade humana. São elementos dados, dentre outros: o clima, o solo, as
condições geográficas em geral; os fatores econômicos, culturais, demográficos,
raciais; os sentimentos morais e religiosos; as condições históricas, as
tradições do povo; as idéias do justo e do injusto; o direito natural, derivado
da natureza mesma das coisas, revelado pela razão; e o ideal de direito, os
princípios jurídicos que deveriam derivar da intuição à face de uma situação
histórica determinada.
A "livre investigação científica
do Direito" está compreendida na segunda série de elementos, isto é, os
"construídos": com base nos dados, o juiz, em face das omissões da lei,
estará investido da função de elaborar a norma jurídica, imbuído dos mesmos propósitos
que orientariam o legislador se fosse chamado a regular a questão sob exame.
Deveriam orientar a "livre
pesquisa" três critérios: o princípio da autonomia da vontade; a ordem e o
interesse público; o justo equilíbrio dos interesses privados opostos. A
"livre pesquisa" deveria ter limites, conforme Gény entendeu: o juiz
estaria autorizado a decidir praeter legem. A "livre investigação" só
teria cabimento no caso de lacuna das fontes formais e não quando a norma fosse
considerada injusta ou desastrosa sua atuação.
A "livre pesquisa científica"
inova na medida em que completa ou integra o sistema existente, mas não lhe
altera o significado fundamental.
As idéias de Gény exerceram influência
e encontraram seguidores em todo o mundo. Até hoje suas teses são seguidas por
inúmeros juristas. Na França de sua época, Percerou, Naquet, Lambert,
Ballot-Beaupré, dentre outros, acolheram os postulados de sua escola.
Escola do Direito Livre
Sob a denominação de Escola do Direito
Livre, ou Escola do Direito Justo, abrigam-se tendências mais moderadas, ou
mais radicais, de insubmissão à idéia de que a lei, ou o próprio sistema
jurídico, contém todo o Direito ou monopoliza as aspirações, valores e dados
que devem ser sufragados pelos juizes, na aplicação do Direito.
A Escola do Direito Livre (Freirecht)
surgiu na Alemanha, em 1906, com a publicação do livro Der Kampfum die
Rechts-wissenschaft, A Luta pela Ciência do Direito, por Hermann Ulrich
Kantorowicz (1877-1940), sob o pseudônimo
de Gnaeus Flavius.
Os antecedentes teóricos da Escola do
Direito Livre podem ser encontrados na Escola Histórica, no ponto em que
proclamava surgir o Direito do espírito do povo, bem como na Escola da Livre
Pesquisa Científica, cujo postulado de busca do Direito, fora das fontes
formais, a Escola do Direito Livre levou às últimas conseqüências.
São também apontados como precursores
da Escola: Adickes, por causa da crítica e revisão que realizou na teoria das
fontes do Direito; Schlossmann, que colocou sob a dependência essencial do sentimento jurídico
toda e qualquer solução de direito; e sobretudo Rudolf Stammler (1856-1938) e
Paul Magnaud. Stammler inspirou a Escola do Direito Livre, ao negar a
possibilidade de existência de um direito natural, válido para todos os tempos
e lugares, e ao afirmar que o Direito seria sempre uma tentativa de direito
justo.
A tese de Stammler, quanto à existência
de um "direito justo", ao lado do "direito legal", e de um
direito natural com conteúdo variável, abalou o positivismo jurídico.
O "direito justo", segundo
Stammler, deveria ser perseguido pelo legislador e pelo juiz; por este, através
da livre apreciação do direito, mediante regras, contudo, que deveriam ser observadas.
Entendia Stammler que a aplicação prática do Direito realiza-se por meio de deduções
jurídicas, ou seja, derivando os juízos das premissas gerais. E via duas
classes de deduções jurídicas:
a) as deduções jurídicas mediatas,
necessárias quando um problema jurídico especial há de ser julgado atendendo às
normas especiais contidas nas regras jurídicas formuladas tecnicamente e que um
determinado Direito estabelece como definitivas;
b) as deduções jurídicas imediatas, que
implicam juízos baseados num Direito fundamentalmente justo.
As normas a serem aplicadas nas
sentenças são sempre nor-mas limitadas, que respondem a princípios do Direito
justo e que 1 estão já dispostas para a atuação do juiz, o qual faz escolha
dentre 1 diversas possibilidades. As principais obras de Stammler foram
publicadas entre 1896 e 1922.
Paul Magnaud, presidente do modesto
tribunal francês de Château-Thierry, chamado por seus compatriotas de “o bom
Juiz" não será caracterizado com acerto como a expressão pragmática da
Escola do Direito Livre, segundo pretendem alguns autores. Mais exato será
considerá-lo como precursor da Escola, pois suas sentenças são anteriores à publicação
da obra de Kantorowicz. Magnaud orientou seus julgamentos por juízos de
solidarie-dade e humanidade.
Privilegiou o direito à vida como o
mais Importante. Por isso absolveu Luísa Ménard, que furtou um pão pura matar a
própria fome e a de sua mãe porque "... o juiz pode e deve interpretar
humanamente os inflexíveis preceitos da lei".
Deu proteção social aos deserdados e
aos fracos; procurou realizar na ordem jurídica a igualdade que a natureza e o
individualismo subtraem à generalidade dos homens; atacou os privilégios e os
abusos dos poderosos.
Segundo a opinião de Roberto Piragibe
da Fonseca, embora A obra de Magnaud estivesse inspirada em intuições e
pressentimentos muito corretos, carece de justificação teórica. Observou que se
Magnaud afastava-se da lei, não o fazia por desobediência no
Direito Positivo, mas para realizar uma
melhor justiça. Recaséns Siches assinala que Magnaud conseguiu tomar manifesta
a injustiça de critério de certas leis, em considerados modelares. Pensa que
suas sentenças contribuíram não tanto para resolver o problema da interpretação
e da função judicial, porém Como um testemunho detonador desse problema.
Machado Neto viu, no "bom
juiz", um precursor da jurisprudência trabalhista.34 A
leitura de suas sentenças, em matéria
de direitos dos trabalhadores, convence da justeza da observação.
Segundo sua visão hermenêutica, se o
texto de lei é unívoco e se sua aplicação ao caso concreto não produz uma
solução que fira os sentimentos da comunidade, vale dizer, se não viola o
"Direito Livre", o juiz deve decidir com apego à norma legislativa.
Mas o juiz pode e deve prescindir da
lei, quando se encontre nas situações seguintes:
a) se lhe parece que a lei não oferece
uma solução carente de dúvidas;
b) se lhe parece, segundo sua honrada
convicção, que não é verossímil que o poder estatal existente, no momento do
fato, haveria de ditar a resolução que se depreenderia da lei.
Em ambos os casos, o juiz deverá
prolatar a sentença que, segundo sua convicção, teria sido decretada pelo atual
poder do Estado, se esse poder tivesse pensado no caso concreto.
Se o juiz não for capaz de formar essa
convicção, então se inspirará no "Direito Livre".
As decisões contra legem Kantorowicz via
como um mal, contudo inevitável. Para Kantorowicz, não caberia à Ciência jurídica limitar sua atividade apenas
aodomínio do que já é conhecido. Também seria tarefa sua constituir-se em fonte
produtora de regras, pesquisadora e criadora de direito. Via Kantorowicz, como
ideais do Direito Livre:
a) a popularidade da jurisprudência
viva;
b) sua especialização a cargo de
profissionais;
c) sua imparcialidade;
d) a própria justiça, que reclama
liberdade, personalidade e competência.
Para Kantorowicz, quer o legislador,
quer o juiz não agem movidos apenas pela inteligência, mas também pela vontade:
na sentença, o juiz escolhe o princípio que melhor embasa sua decisão.
Ernst Fuchs (1859-1929) profligou o
fetichismo da lei escrita, o culto dos conceitos e das construções lógicas,
assinalando que o ideal, que deve orientar o Direito, é a busca da justiça
material, e não a construção exata. Oscar Bülow observou que, não raramente,
pela força das coisas e insuficiência das fórmulas, o juiz é obrigado a decidir
contra a lei.
Os mais diversos autores da Escola do
Direito Livre (Ernst Fuchs, Eugen Ehrlich, Hermann Kantorowicz, Rumpf)
destacaram ser o juiz mais importante do que a lei, dependendo a boa
administração da justiça, fundamentalmente, das condições de personalidade,
competência e cultura dos magistrados.
Também a colaboração da Psicologia e
das Ciências Sociais em geral, no trato dos problemas-do Direito, foi defendida
pela Escola (Fuchs, Kantorowicz). A Escola do Direito Livre teve o aplauso
irrestrito, ou com reservas, de alguns, e a condenação, ou crítica
desfavorável, de outros. Radbruch qualificou-a como o mais vigoroso sinal de
vida da ciência jurídica depois de Ihering. Hellwig e Sternberg aprovaram a
Escola, nas suas tendências moderadas. H. Lévy-Bruhl condenou-a, por
privilegiar as convicções pessoais do juiz, gerando soluções diferentes para um
mesmo litígio e enfraquecendo a confiança do povo no Poder Judiciário. Em
síntese, a Escola mereceu aplausos:
a) enquanto valeu como protesto contra
a jurisprudência conceitue;
b) enquanto pretendeu encorajar a ação
criativa do juiz à face das lacunas do sistema jurídico;
c) pelo fato de ser rica de sugestões,
abrindo perspectivas imprevistas para a vida do Direito;
d) por ter contribuído para a evolução
do Direito, ao justificar as decisões pra e terlegem, que vieram a ser
consagradas pelo Código suíço e por outros, posteriormente;
e) por ter valorizado o papel do juiz
na aplicação do Direito;
f) por ter colocado o caso concreto
numa posição superior à condição de generalidade,que é inerente à norma jurídica;
g) poter realçado a ponderação da
realidade e dos valores sociais, na aplicação do Direito;
h) por ter abalado a certeza em que se
acreditava estar alicerçada a ordem jurídica positiva;
í) por ter despertado o jurista para a
preocupação com uma tabela axiológica informativa da interpretação e aplicação
do Direito.
As censuras à Escola recaíram nos
seguintes aspectos, em resumo:
a) incentivaria o subjetivismo e o
arbítrio judicial;
b) poderia conduzir a uma ditadura
togada;
c) constituiria uma ameaça à ordem;
d) invalidaria a segurança, a certeza,
a estabilidade, a unidade e a objetividade, que deveriam constituir características do Direito;
e) desmoronaria as garantias jurídicas.
Kantorowicz respondeu às críticas que
foram endereçadas à Escola. Começou por negar a veracidade dos apregoados
méritos da Justiça impessoal, que a Escola do Direito Livre estaria ameaçando.
Afirmou que são ideais irrealizáveis:
a) ser toda decisão fundada na lei;
b) ser o juiz o executor fiel da lei;
c) serem todos oscasos decididos
exclusivamente pela lei;
d) ser sempre motivada qualquer
decisão;
e) ser sempre objetiva, restritamente
científica e isenta de paixão a sentença judiciária.
Quanto aos perigos de arbítrio judicial
e incerteza do Direito, resultantes dos postulados do Direito Livre, acreditava
que o hipotético mal é evitado pela pluralidade dos julgadores e pelo duplo
grau de jurisdição.
A Escola do Direito Livre sacudiu
verdades estabelecidas e representou um progresso no pensamento jurídico. Abriu
perspectivas para a Ciência do Direito e investiu a função judicial de maior
responsabilidade e importância, realçando o papel criativo inerente a ela.
Escola Sociológica Americana
Surgiu nos Estados Unidos, na primeira
metade deste século, tendo, como corifeu, Roscoe Pound, e principais
integrantes Oliver Wendel Holmes, seu precursor, BenjamimNathan Cardozo e Louis
Brandeis.
Foi um movimento paralelo à Escola do
Direito Livre, na Alemanha, e à Escola da Livre Pesquisa Científica, na França.
Partindo da consideração de que o Direito é essencialmente mutável,
condicionado às variações da vida social, a Escola pretendeu substituir as
concepções de caráter racionalista, no campo do jurídico, por procedimentos
empíricos e utilitaristas.
Os conceitos fixos e imutáveis, os
padrões eternos de justiça não são apropriados para compreender a realidade do
Direito, submetida ao evolver dos fatos sociais e à relatividade do humano. O
Direito é um instrumento de civilização. Cabe-lhe servir à melhoria da ordem social
e econômica. Reclama do jurista um trabalho consciente e criador.
Repercussão hermenêutica desse
posicionamento é a compreensão de que o juiz deve interpretar as normas,
procedendo a correta ponderação valorativa das realidades sociais. A lógica
desempenha papel secundário. Ante um caso a decidir, o juiz formula juízos de
valor e escolhe a solução, dentre as diversas possibilidades que a ordem jurídica
oferece.
Por esse motivo, Roscoe Pound
(1870-1964) diz que "A ciência do direito é uma ciência da engenharia
social que tem de haver-se com a parte desse campo, suscetível de se realizar
por meio da regulação das relações humanas através da ação da sociedade politicamente
organizada". Influência notável sobre a Escola Sociológica Americana
exerceu a "lógica experimental", do filósofo pragmatista John, Dewey,
que é, por esse motivo, considerado, de certa forma, como ligado a essa
corrente.
Dewey afirmou que a lógica dedutiva
deve ser abandonada, como instrumento principal e decisivo, para chegar à
sentença judicial. Deve ser substituída por um tipo de lógica que, em vez de
partir dos antecedentes, tenha seu centro de gravidade na consideração das
conseqüências. Os princípios jurídicos gerais devem ser considerados
somente como hipóteses de trabalho e,
nessa condição, necessitam ser constantemente verificados sob o critério de
exame dos efeitos que produzem, ao serem aplicados às situações concretas.
Defendendo as vantagens da Justiça
judiciária, ou seja, da Justiça ministrada por especialistas judiciais, Roscoe
Pourid traça os contornos da teoria hermenêutica de sua Escola. Diz que a
Justiça judiciária "... combina as possibilidades de certeza e
flexibilidade melhor do que qualquer outra forma de ministrar justiça.
Proporciona a| certeza mediante o treinamento do juiz no desenvolvimento lógico
e na exposição sistemática de materiais autorizados para decisão.
O posicionamento hermenêutico da escola choca-se
com a visão da função judicial como função lógica: "Não se pode consentir
à autoridade judicial que se preocupe com os efeitos que podem provir da
aplicação exata da lei". (Pascuale Fiore, Interpretación de las Leyes,
Madrid, Editorial Reus, 1927, pp. 550-551.).
Garante o desenvolvimento, permitindo o
exame científico de pontos de partida recebidos para o raciocínio jurídico, com referência
a casos concretos, e a correção de preceitos
mediante extensão ou restrição, pela experiência de aplicação e do processo
gradual de inclusão e exclusão, com fundamento em
princípios racionais".
Escola Realista Americana
Ala extremada da Escola Sociológica
Americana, a Escola Realista Americana eclodiu também na primeira metade deste
século e teve suas principais figuras em Jerome New Frank (1889-1957), Karl
Nickerson Llewellyn (1893-1962), John Chipman Gray, Underhill Moore, Herman
Oliphant, Walter W. Cook e Charles E. Clark.
Partindo de um extremo realismo, a
Escola desenvolve uma desmistificadora análise psicológica da função judiciária
com a finalidade de comprovar a presença de fatores irracionais, de natureza
efetiva, que em vão a teoria da aplicação silogística, lógica, impessoal da lei
procura encobrir.
Na verdade, a sentença judicial não
seguiria o processo lógico (das premissas à conclusão), mas o processo
psicológico (da conclusão à procura de premissas convenientes).
Razões emocionais é que orientariam os
julgamentos. Em, conseqüência, a ciência do Direito seria uma aposta sobre o
que decidirão juizes e tribunais, mera suposição do que virá a ser a sentença. Centrando
seu interesse nas decisões judiciais, seus procedimentos e processos, na
atividade dos juizes, a Escola Realista Americana obscurece a visão do Direito
como sistema de normas jurídicas.
O que dizem as leis e os regulamentos,
os precedentes jurisprudenciais e os costumes efetivos poderão constituir
fontes de presunção para vaticínios prováveis, contudo não subministram uma
resposta absolutamente segura, porque o Direito real e efetivo será aquele que
sobre o caso proposto resolva o órgão jurisdicional. As normas muito pouca
influência exercem sobre o direito criado pelos tribunais. Daí a importância de
estudar o comportamento dos magistrados, onde estaria o cerne do verdadeiro
Direito.
O Direito seria sobretudo reflexo da
realidade social, resultado da conduta dos povos e dos homens, especialmente os
juízes. O que interessa aos realistas é averiguar o Direito efetivamente real.
Este não é nem o que aparece declarado nas regras legislativas nem o que os juízes
declaram como base de suas sentenças, mas de fato aquele que os juízes criam,
independentemente do que exponham nas suas decisões. Observou Frank que,
segundo a idéia predominante, o Direito seria geral, uniforme, contínuo, igual
e puro. Mas isto, segundo ele, não é verdadeiro: a experiência mostra o contrário.
Para qualquer pessoa, o Direito certo sobre uma determinada situação é somente
a sentença que um tribunal pronuncia sobre aquela situação, afetando exclusivamente
aquele caso particular.
O Direito é mutável e tem uma dimensão
essencialmente plástica, de adaptação a novas situações e circunstâncias. Daí
ter o juiz que formular a norma, ainda que comumente o faça sob a aparência de
interpretar velhas normas.
Noutro trecho, sublinha Frank que a
personalidade do juiz constitui fator decisivo na sentença. Para que o Direito
tivesse plena uniformidade, continuidade e certeza, seria necessário que todos
os juízes fossem iguais, com idênticos hábitos e mente estereotipada. Mas isso
seria aconselhável? - indaga Frank. E responde negativamente, afirmando que,
para servir melhor à Justiça, convém sejam os juízes inteligentes, sensíveis e
ilustrados, o que gera menos certeza, segurança e uniformidade.
A dimensão de incerteza, no Direito,
prossegue Frank, não é um mal catastrófico, mas constitui uma das dimensões que
torna possível o alcance de uma maior Justiça e também o progresso do Direito.
Frank reconhece que existem normas
jurídicas gerais e vê nas mesmas uma função importante. Nega, contudo, que o
direito efetivo, produzido pelos tribunais, consista exclusivamente em
conclusões extraídas das normas gerais.
Pensa Frank que sobre o juiz influem,
dentre outros, os seguintes fatores: a educação geral e jurídica, os vínculos
familiares e pessoais, aposição econômica e social, a experiência política e
jurídica, a filiação e opinião política, os traços intelectuais e temperamentais.
O juiz cria sempre o Direito efetivo,
ainda que haja normas gerais preexistentes. Tem de revisar e reajustar as
regras preexistentes para que o caso proposto se encaixe nelas. Tem sido muito
exagerado o grau de segurança que o Direito pode proporcionar.
Têm sido também exagerados os
benefícios da certeza, assim como os males da incerteza. Não é verdade que
exista plena certeza, nem sequer nos sistemas legislados rígidos. Há uma miopia
em querer dissimular o caráter essencialmente plástico e mutável do Direito. O
realce de nossa época - pondera Frank - recai sobre a mudança, sobre o encaminhamento
da mudança num sentido progressivo, mais do que sobre a segurança. Llewellyn
distinguiu as "regras no papel" e as "regras efetivas".
Há regras que ficam apenas no papel,
que de fato não são tomadas em conta pelos juízes. Há outras normas formuladas
em leis, regulamentos e precedentes que o juiz pretende tomar em consideração,
que o juiz menciona como fundamento para sua sentença, mas que na realidade não
segue, ou segue apenas de modo parcial.
Gray notou que o legislador só emite
palavras, as quais entram em ação efetiva unicamente através das sentenças dos
tribunais. Claro - disse ele - que há limites para a faculdade judicial de
interpretação; mas esses limites são vagos e não estão definidos com precisão.
Frank, na posição mais extremada, via a
livre interpretação judicial como o verdadeiro canal da criação do Direito,
reconhecendo nesse processo criativo um grande valor social, não obstante a
insegurança e incerteza conseqüentes.
O desejo de um direito estável, de uma
ilusória certeza jurídica representaria, segundo Frank, um complexo de origem
infantil, qual seja, o de não ter superado a necessidade de um pai autoritário:
buscavam as pessoas, no Direito, inconscientemente, um sucedâneo à
infalibilidade e firmeza que, quando crianças, atribuíam ao pai.
Llewellyn, mais moderado, reconhecia
que as regras jurídicas influenciavam na formação das sentenças, mas nem de
longe tinham a importância que lhes atribuíam as correntes tradicionais. A nota
comum aos autores da Escola é uma atitude cética a respeito da descrição tradicional
da conduta real e efetiva dos tribunais.
A Escola Realista Americana contribuiu
para dar uma visão mais autêntica da vida jurídica, derrubando padrões como os
de uniformidade e generalidade do Direito, impessoalidade do juiz etc. Em seu
lugar, mostrou que o Direito tem, na plasticidade, uma característica
essencial, que a sentença é menos a norma e o precedente e é mais o juiz com
toda a sua humanidade, que a segurança jurídica é precária, mas que a
insegurança é o preço do progresso.
Escola Egológica
A Teoria Egológica do Direito, do
jurista argentino Carlos Cossio, considera que o objeto a ser conhecido pelo jurista não são as normas, porém a conduta
humana focalizada a partir de certo ângulo particular. Da mesma maneira que o
objeto do conhecimento do astrônomo são os astros, e não as leis de Kepler e
Newton, porque estas são apenas conceitos com os quais os astros são
conhecidos, assim também, na Ciência Dogmática, o objeto do conhecimento do
jurista não são as normas, mas a conduta humana em sua interferência
intersubjetiva, porque as normas jurídicas são somente conceitos com os quais
aquela conduta é conhecida como conduta.
Como esclarece Cossio, para entender a
Teoria Egológica do Direito, é preciso partir das classificações dos objetos,
elaborada pela filosofia contemporânea – objetos ideais, naturais, metafísicos
e culturais. Os objetos culturais são reais e têm existência (o que não ocorre
com os objetos ideais), encontram-se na experiência (diversamente dos objetos
ideais e metafísicos) e sobre eles podem ser proferidos juízos de valor (em contraposição
aos objetos ideais e naturais).
Nos objetos culturais há sempre um
substrato e um sentido. O substrato é empírico. O sentido só existe
intelectualmente, como-vivência psicológica de alguém. O objeto cultural exige
um conhecimento por compreensão, no qual o sujeito toma partido no problema,
estando dentro do dado que se quer conhecer. Esse conhecimento é circular, uma
vez que parte do substrato para o sentido, retornando ao substrato, para voltar
ao sentido e, assim, indefinidamente, em forma circular, até que o espírito
queira deter-se, sentindo-se satisfeito com o resulta-do obtido.
A esse método de conhecimento deu
Cossio a denominação de empírico-dialético: empírico, porque corresponde ao
modo de ser do substrato e do sentido enquanto dados reais, pertencentes ao
mundo da experiência; dialético, pela forma circular do conhecimento que vai e
vem, do substrato ao sentido. Em função da natureza do substrato, os objetos
culturais, segundo Cossio, podem ser mundanos (quando o substrato é material) e
egológico (quando no substrato há uma conduta humana).
O Direito deveria ser sempre um ensaio
de direito justo. Mais flexível, o Direito seria também mais compatível com a
vida humana e seu ineditismo. Igualmente, também pondera Recaséns Siches que
segurança absoluta não há na vida humana, pelo que não tem sentido pedir; tal
segurança ao Direito.
A doutrina de Recaséns Siches traz
grandes aclaramentos aos problemas hermenêuticos. Principia por afirmar a
autonomia da função jurisdicional, que escapa a qualquer disciplinamento
legislativo. Coloca depois que, na aplicação do Direito, não tem valimento a
lógica formal, uma vez que tudo que pertence à existência humana impõe alógica
do humano e do razoável, impregnada de critérios valorativos, apta a considerações
circunstanciais. Toca finalmente no problema da segurança jurídica,trincheira
dos que pugnam por um direito matemático, afirmando que não há segurança absoluta
na vida humana, pelo que não tem procedência pedir tal segurança ao Direito.
DIREITO ALTERNATIVO
Desde a primeira edição deste livro
(1979), deixamos de incluir o Direito Alternativo como uma das "escolas hermenêuticas". O Direito Alternativo
tem, sem dúvida, importantes propostas no campo da
Hermenêutica, embora sua abrangência
não se resuma a este setor do pensamento. Não incluímos o Direito Alternativo
como "Escola Hermenêutica" porque, a nosso ver, o Direito Alternativo
não é uma escola. É bem melhor designado como "Movimento do Direito
Alternativo".
O Direito Alternativo adota uma posição
dialética. Não "é" uma visão do Direito, no sentido estático. E,
sendo. Ou seja, é (presente do indicativo, detonador de permanência), sendo
(gerún-dio, indicador de continuação).
No dia em que se tornasse uma escola, o
"Direito Alternativo" perderia sua própria razão de ser. Virar escola significa "estabilizar-se",
perder o conteúdo dialético. Como Escola, o Direito Alternativo veria esvaziada
sua dinâmica de contestação, crítica, questionamento, tudo isso que dá vigor ao
"Movimento".
2 comentários:
É bom citar as fontes bibliográficas!!!!!!
Está tal e qual o livro do João Baptista Herkenhoff, "Como aplicar o Direito"
Observei o mesmo ponto. Trata-se de cópia literal do livro de João Baptista Herkebhoff. FAVOR CITAR AS FONTES, CARO PROFESSOR PAULO CÉSAR.
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